Muitas vezes
ela tem necessidade de fazer as pazes com o Mar, outras mais de o visitar sem o
olhar. Chega perto e ignora-o, olha fixamente o horizonte ou as nuvens que
dançam no céu. Interiormente sente-se vingada por não corresponder com um
sorriso aos salpicos atrevidos.
Quando lhe
quer dizer que perdoa a rejeição daquela noite, a recusa em a receber na sua
paz fria, não vai sozinha. O seu companheiro segura-lhe a mão enquanto caminham
trôpegos pelos socalcos de areia. Ela, gradualmente, enfrenta o medo. A cada
nova visita aproxima-se mais. O seu companheiro larga-lhe a mão para que ela e
o Mar conversem a sós. E ela apaixona-se,
mais e mais, por aquele homem que observa a sua essência do outro lado da lente.
O mesmo que
ri e compactua com os seus impulsos. Ela subitamente obedece a uma vontade interior:
entra e abraça as ondas. Como ela gosta de abraços! O Mar acolhe com prazer a
partilha do carinho na sua forma mais pura. O frio obriga a um momento fugaz
mas ainda assim intenso. Ela corre novamente para os braços que a esperam
segurando a toalha que a aquece.
Mas há mais
inquietação dentro dela. Talvez um dia ela seja capaz de fazer as pazes com mar
e céu noturno em simultâneo. Por agora a Estrada de Santiago é ainda um
labirinto doloroso perseguindo as ondas. A luz do farol afigura-se como uma
arma pontiaguda, uma ameaça no cruzamento da escuridão.
Por enquanto,
os abraços do mar dourado pelo Sol bastam para que ela e ele se sintam vivos.
Aprenderam a caminhar de mão dada, desde o primeiro dia, quando os seus dedos
se entrelaçaram no meio da multidão. Sabem que cada toque, cada passo, cada
avanço ou recuo deve ser vivido intensamente. Por saberem isso não têm pressa e
apreciam os instantes prolongados com sabor a sal apimentado pelo sol. A
partilha com o céu rasgado por pontos de luz cintilante virá depois. Os dois
sabem disso e não têm pressa. Abraçam-se, sorriem e os seus olhares cruzam-se
no horizonte.