Tenho má memória para datas, talvez porque tenha uma relação emocional com elas. Há datas que, pela sua importância, me fazem viver o dia no sentimento e na recordação que me transmitem. Outras datas, por não serem minhas mas sim daqueles que amo, ocupam-me o pensamento durante todo o dia ecoando o sentimento plantado em mim.
Hoje é o dia do meu irmão. Nasceu em 1971, temos uma diferença de 11 anos de idade.
Quando me perguntam como é ser a mais nova de três irmãos e ter uma diferença tão grande de idades respondo que é uma das melhores coisas do meu mundo. Eu não seria quem sou se assim não fosse. Quando me dizem "és a menina do mimo" respondo "sou". Mas fui muito mais do que isso, guardei em mim conflitos que até à fase adulta nunca os partilhei com ninguém, porque as primeiras pessoas com quem os partilharia seriam os meus irmãos. Não o fazia porque era esta a forma de lhes responder à proteção que eles me davam, também eu os tentava proteger dessa forma. A minha irmã aglomera em si muitos papéis, fez (e faz) muitas vezes o papel de mãe, de melhor amiga, de confidente, de conselheira. O meu irmão assumiu outros papéis, diferentes no propósito, diferentes na dimensão. Observei os meus irmãos, os seus gostos, as suas atitudes e fui assim construindo o puzzle da minha personalidade. Hoje sou, muito, muito mais do que a "menina do mimo", sou a tia fascinada. Os meus irmãos abrilhantaram o meu mundo com as vidas mais resplandecentes que nele existem - os meus quatro sobrinhos. Quatro crianças (aliás, dois adolescentes) muito diferentes entre si, cada um com um conjunto inumerável de qualidades que enriquecem o mundo.
Como já referi, hoje é o dia do meu irmão. Hoje está presente em mim a admiração que nutro por ele. Eu e ele vivemos a vida de formas muito diferentes. Temos visões sobre o mundo, a sociedade, a economia diametralmente opostas. Ele não sabe mas, por ser assim, ensinou-me a ser tolerante, a respeitar outras opiniões. Ensinou-me igualmente que nunca devemos desistir dos nossos pontos de vista, que devemos assumir as nossas convicções mesmo que os outros se oponham.
O meu irmão e eu vemos a injustiça com outros olhos, reconhecemo-la em ambientes diferentes, mas reagimos com o mesmo fervor e sentimo-la com a mesma intensidade.
O meu irmão tem uma coragem e uma determinação incríveis, consegue vencer os seus receios e fazer acontecer. Não contorna obstáculos, enfrenta-os. Eu e ele temos pretensões diferentes, mas convergimos na capacidade de sonhar, na inquietude das nossas mentes. Ele não se orienta pelo mapa mas sim pelo globo, pois quando alcança um objetivo a sua mente já navega rumo a outras metas. A sua impaciência contrasta com a minha ponderação mas quando o sangue entra em ebulição almejamos solucionar os mesmos problemas. As nossas inseguranças, fruto de uma educação comum, manifestam-se em polos opostos mas ambos procuramos o conforto e a aceitação no mesmo meio.
Ele é uma pessoa muito exigente, procura a perfeição e reclama-a dos que o rodeiam. Sempre senti que não correspondia às suas expetativas, talvez porque a sua proteção sempre se fez sentir de uma forma rígida. No entanto, nunca duvidei do seu inesgotável amor pela família. Nas minhas recordações mais íntimas está o rapaz alto e esguio que chegava a casa de fim-de-semana sempre com um pacote de maltesers para a irmã de cinco anos, está o seu forte e envolvente abraço nos momentos difíceis e o seu sorriso que transborda do olhar nos momentos felizes.
Hoje recordo, também, um dos dias mais tristes das nossas vidas, o dia em que perdemos a nossa avó Rosa. Infelizmente fui privada de muitos momentos com ela, mas os que tive foram tão puros, tão maravilhosamente amorosos que permanecem em vibração dentro de mim. Recordo cada pormenor desse dia, o telefonema que a minha irmã recebeu, as longas horas que fiquei sozinha em casa, a espera angustiante para falar com o meu irmão. Foi há 22 anos atrás. Guardo também uma recordação doce. Umas horas antes da minha avó falecer numa cama de hospital, disse a uma amiga nossa "O meu neto mais velho faz amanhã 22 anos", parece que sorriu muito ao dizê-lo. É isso que torna o meu irmão tão especial, ninguém pensa nele sem que sinta de imediato um sentimento forte. Ele nunca viveu na penumbra, sempre se fez notar.
Talvez ele não saiba o quanto o amo. A sua inteligência, a sua determinação, a sua inquietude enchem-me de profunda admiração. Ou talvez ele saiba porque, tal como eu, há coisas que sempre sentimos mesmo que nunca tenham sido ditas.
Parabéns, Mano!
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