Abriu lentamente os olhos que resistiam à sonolência provocada pelos
analgésicos. Ainda com o olhar semicerrado procurou-a. Quando os seus olhares
se cruzaram enviou três beijos para o ar que ela agarrou como se de um passe
perfeito se tratasse. O sorriso dela escondeu a preocupação que a inquietava e,
repentinamente, iluminou todo o espaço.
Ela tem um sorriso muito bonito, uma beleza vulcânica que ascende do
interior até ao rosto sem perder energia. Talvez por isso ele tenha necessidade
de verbalizar: “tenho uma mulher muito boa para mim” e de a chamar “meu amor”
mesmo após quase seis décadas de união.
Os meus olhos emocionaram-se. Os Amores verdadeiros reconhecem-se assim: na
ternura que espalham no ar circundante; nos gestos que aprendemos desde cedo,
como lançar beijos para o ar; ou num sorriso iluminado. Não precisa de palavras,
a ternura de um Amor reconhece-se facilmente pois aconchega quem está por perto.
Há cerca de oito anos, quando a distância geográfica tornava as
semanas intermináveis, o meu companheiro enviou-me a seguinte mensagem: “Vi um pôr-do-sol
lindíssimo, guardei-o para ti”. Guardou-o na retina e na câmara fotográfica. Nunca
cheguei a ver a fotografia porque aquela mensagem tinha tudo o que eu poderia
querer. Esta é a sua forma pura, verdadeira e singela de Amar. Sei-o porque
para ele a vida é perfeita simplesmente porque existe o Sol, a água, o vento,…,
ensinou-me como nos encontramos connosco quando os elementos nos tocam. Trouxe
leveza para a minha vida e é assim que nos vamos construindo.
Ontem partilhámos um novo pôr-do-sol lindíssimo. Desta vez de mão dada, sem
qualquer distância geográfica ou mental a contrariar o momento. Lembrei-me da
mensagem que ele me tinha enviado há oito anos atrás. Essa recordação trouxe
mais sabor ao momento.
Lembrei-me como nos segurámos um ao outro quando os tumultos vertiginosos
do Amor testaram a nossa resistência. Essa certeza tornou o momento eterno.
Vimos aquele pôr-do-sol lindíssimo com os poros das nossas mãos a fazerem as
trocas iónicas necessárias para as células se manterem vivas. Tal como tivemos
a coragem de encarar todas as trocas essenciais para dar vida ao nosso Amor. Ao
contrário dos gatos, o Amor tem vertigens! Os gatos talvez não tenham vertigens
porque a sua estrutura quase elástica não os faz temer a queda. O Amor
verdadeiro tem muitas vertigens, porque conscientemente tem medo da queda. Mas
o que talvez diferencie um Amor seja a capacidade de nos apararmos nas quedas.
Não sei se o nosso Amor nos vai permitir uma união de quase seis décadas,
se um dia estaremos a cuidar um do outro como aquele casal que hoje emocionou
os meus olhos. No entanto, sei que o nosso Amor tem vertigens, cai e fratura-se
muitas vezes mas nunca quebra.
Obrigada, João. Abraço.
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