Cruzei-me várias vezes com Ana Nicolau mas nunca nos conhecemos. Desses breves
encontros guardo lembranças de luta e sonhos que eu perdi. Ana Nicolau
transpira nos poros o ativismo por um mundo menos desigual, as suas cordais
vocais libertaram várias vezes a lembrança da Revolução, cantando a Grândola de
Zeca Afonso, e dos seus plumões ecoaram apelos à justiça pedindo a demissão do primeiro-ministro
que personificou os tempos mais austeros de que há memória.
Ana Nicolau foi ontem elogiada pelo seu ato de cidadania (em 11 de março de
2015) mas condenada porque esse mesmo ato não podia ser levado a cabo na
chamada “Casa da Democracia”. O que me choca no caso de Ana não se prende com a
multa que terá de pagar mas sim o ato de punição a que foi sujeita. Foi
condenada por se manifestar no local onde o Povo não tem voz.
Pois bem, as leis da injustiça inesperada lembram-nos que nada sabemos da
dita democracia que nos apregoam. Nada nos pode surpreender quando nos invadem
o quarto ao acordar e nos vemos condenados a um crime sem qualquer justificação.
Revemos em Kafka as condenações pela luta dos nossos direitos, por dívidas
inexistentes que nos imputam, as falsas promessas de absolvição…
A Democracia não tem casa, Tem lugar, Tem ação. A Democracia acontece quando
desfiamos a ditadura nos locais de trabalho, nas escolas, na rua, … A
Democracia não tem donos, como a lei que condenou Ana assim o afirma: - “Só aos
deputados é permitido terem o comportamento que Ana teve ao pedir a demissão de
Passos Coelho” – disse o juiz na sentença.
A condenação de Ana lembra-nos os tempos bafientos do Salazarismo. Se é
certo que nos podemos manifestar num café o mesmo já não é verdade para
manifestações de rua ou na chamada “Casa da Democracia”. O parlamento não é a
casa da democracia é, sim, a casa da proteção do status quo, onde a burguesia instala os seus interesses e onde os
direitos são confinados a deputados eleitos por um sistema eleitoral
matematicamente injusto. A Assembleia não é da República é da burguesia.
A Democracia não tem casa nem donos mas tem rostos e Ana Nicolau será
sempre um desses rostos. Pela Democracia, pela Liberdade je suis Ana Nicolau!
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