“É bom sentir saudades, é sinal
que estamos vivos.” Repetiu-me inúmeras vezes o meu amigo nas primeiras
conversas que a internet nos permitiu. E com isto eu sorria por reconhecer
diversos significados carregados por esta simples frase. Dizendo isto ele
tentava desbloquear as minhas cordas vocais presas pela vontade de chorar ao
mesmo tempo que interpretava a sua própria dor por estar longe dos que ama. Sei
que para ele é mesmo assim, a saudade dá-lhe vida e só encontra energia nas
emoções fortes e cruas das quais se alimenta.
Com esta frase comecei a sentir a
saudade mais doce do que amarga. Ele tem razão, sentimos o pulsar do coração
com mais força sempre que a saudade nos bate à porta. Mas além disso sei que a
saudade e o amor andam de mãos dadas e quanto mais alto é o som da porta maior
é o amor que temos pela pessoa ausente.
Conheci este sentimento quando os
meus irmãos saíram de casa para estudar fora. O meu pai, seguindo o meu
soluçar, encontrava o corpo de menina encolhido atrás do sofá cinzento. Tentava
esconder a água salgada que corria dos meus olhos até ao chão. Muitas outras
lágrimas e bloqueios na garganta se seguiram, por todos os que amo
profundamente.
Há umas semanas atrás adormeci
abraçando uma t-shirt e repetindo a frase do meu amigo para abafar o som estridente
da porta. Sorri ao acordar. Percebi a intensidade do amor que nutro pelo meu
companheiro. “É tão bom sentir saudades” de uma forma tão intensa por alguém
que sabemos que vai regressar dentro de dois dias, alguém com quem partilhamos
o oxigénio do quarto e a temperatura média do leito todas as noites.
Reconhecemos assim um Amor maior do que qualquer paixão: o companheiro da nossa
vida; a pessoa por quem ouviremos eternamente o eco das batidas da saudade
mesmo que um dia não queira mais partilhar o oxigénio do nosso quarto.
Nessa mesma semana contemplei
umas fotografias dos meus avós paternos no ecrã do meu computador. Quem as
colocou na rede social estava longe de imaginar que os meus batimentos
cardíacos se sincronizavam com as gotas de água fundida pela saudade. Tive
poucos anos de vida partilhada com os meus avós mas as recordações e a herança
genética que deixaram no meu pai são suficientes para continuar a alimentar o
amor que sinto por eles.
Muitas vezes tenho saudades de
mim mesma. Contrariada pelas imposições da sociedade procuro perceber o que me
faz falta enquanto me submeto às ordens que indevidamente nos julgam. Amordaço
o meu ser para que não me achem conflituosa, retraio a minha espontaneidade
para que as minhas palavras não sejam interpretadas como as de uma pessoa
amargurada, dou menos de mim ao mundo com receio de multiplicar as cicatrizes
que outras vidas me deixaram… e tiro o combustível necessário para me aquecer e
energizar. Os ecos que ouço não me parecem as batidas da saudade (esta é muito
mais fácil de reconhecer quando é externa ao nosso próprio ser). São ecos mais estridentes,
ecos de culpa por não ser outra em vez de mim. Mas quando consigo sair da
espiral que me afunda percebo que afinal é a saudade de mim que me chama. E
então respiro profundamente e sorrio.
Sem comentários:
Enviar um comentário