Há um ano o meu Amigo Ivar
Corceiro chegou à Bulgária. Lá aterrou também uma imensa parte de mim. Uma
parte que ele conquistou, ou melhor, algo imenso que se transformou a cada
gargalhada que partilhámos. Quando nos despedimos o meu riso afogou-se num mar
salgado. Dentro de mim uma mistura tão complexa quanto a sopa Búlgara que ele
descreve. O medo do futuro incerto, a alegria de saber que ele iria renascer, o
egoísmo profundo da saudade… E também a revolta. Uma revolta ensurdecedora pelo
choque da realidade social, a certeza dos sonhos falhados, a desilusão das
nossas crenças.
Já várias vezes escrevi sobre ele
e outras mais deixei escapar a vontade de o fazer. Passadas quase 9 000 horas
de ausência do seu abraço volto a dedicar-lhe o que tenho de mais puro, a
seguir ao meu pensamento, as minhas palavras. E ele sabe tão bem o que as palavras
significam para mim! Foi na partilha destas que a nossa amizade surgiu, as
palavras que deram lugar aos discursos, aos gritos de ordem nas ruas, às
conversas ideológicas e filosóficas. Mais tarde a desilusão partidária e
pessoal que sentimos, a mesma desilusão que nos afastou do percurso onde nos
conhecemos, deu lugar ao silêncio. Foi nesse silêncio mútuo e partilhado que a
nossa amizade se solidificou. Um silêncio confortável só se partilha com quem
nos faz bem, com quem amamos. É assim com o meu Amigo-Irmão… Foram tantas as
vezes que intercalámos as longas horas de conversa com o silêncio. Momentos
sentidos com lágrimas nos olhos ou com um sorriso nos lábios.
Na grande cidade de Sófia ele
depressa transformou o espaço e conquistou afetos. É muito fácil para ele encontrar
novas moradas em amigos que se multiplicam, a cada brinde observa e encontra
noutros a substância que o mantém vivo. Numa busca incessante dele mesmo
encontra novos mundos que o acolhem de braços abertos. Bebe a coragem, não de
um copo vazio mas, de um copo cheio de emoções e de intensidade em cada
instante que respira.
Neste ano que passou muitas
coisas mudaram nas nossas vidas e tudo o que nos toca partilhamos por conversas
sempre insuficientes. O Ivar pertence ao pequeno núcleo das pessoas que me
conhecem integralmente. Quando esteve em Aveiro, num sopro de tempo que atiçou
as saudades, disse-me que antes de vir tinha medo de me ver e de não se
sentir ele. Tudo o que encontrou na Bulgária o transformou e temia não se
reconhecer nas conversas que só nós entendemos. Eu tinha um receio idêntico, o receio
de não ter nada interessante para partilhar com o Amigo que em nove meses viveu
mais do que eu em anos. Tontice a nossa porque o que nos aproximou foi algo
muito superior a qualquer conteúdo que caiba numa conversa, algo intrínseco a
nós, talvez não a maneira de pensar mas sim de sentir ou a vontade incessante
de sonhar e de viver para sonhar ainda mais.
Escrevo no silêncio que os
pássaros madrugadores interrompem. Nos lábios um sorriso e olhos inundados pela
saudade. Dedico-te este momento de contrastes Ivar.
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