domingo, 14 de maio de 2017

Instantes



Muitas vezes ela tem necessidade de fazer as pazes com o Mar, outras mais de o visitar sem o olhar. Chega perto e ignora-o, olha fixamente o horizonte ou as nuvens que dançam no céu. Interiormente sente-se vingada por não corresponder com um sorriso aos salpicos atrevidos. 


Quando lhe quer dizer que perdoa a rejeição daquela noite, a recusa em a receber na sua paz fria, não vai sozinha. O seu companheiro segura-lhe a mão enquanto caminham trôpegos pelos socalcos de areia. Ela, gradualmente, enfrenta o medo. A cada nova visita aproxima-se mais. O seu companheiro larga-lhe a mão para que ela e o Mar conversem a sós.  E ela apaixona-se, mais e mais, por aquele homem que observa a sua essência do outro lado da lente.

O mesmo que ri e compactua com os seus impulsos. Ela subitamente obedece a uma vontade interior: entra e abraça as ondas. Como ela gosta de abraços! O Mar acolhe com prazer a partilha do carinho na sua forma mais pura. O frio obriga a um momento fugaz mas ainda assim intenso. Ela corre novamente para os braços que a esperam segurando a toalha que a aquece. 


Mas há mais inquietação dentro dela. Talvez um dia ela seja capaz de fazer as pazes com mar e céu noturno em simultâneo. Por agora a Estrada de Santiago é ainda um labirinto doloroso perseguindo as ondas. A luz do farol afigura-se como uma arma pontiaguda, uma ameaça no cruzamento da escuridão. 


Por enquanto, os abraços do mar dourado pelo Sol bastam para que ela e ele se sintam vivos. Aprenderam a caminhar de mão dada, desde o primeiro dia, quando os seus dedos se entrelaçaram no meio da multidão. Sabem que cada toque, cada passo, cada avanço ou recuo deve ser vivido intensamente. Por saberem isso não têm pressa e apreciam os instantes prolongados com sabor a sal apimentado pelo sol. A partilha com o céu rasgado por pontos de luz cintilante virá depois. Os dois sabem disso e não têm pressa. Abraçam-se, sorriem e os seus olhares cruzam-se no horizonte.

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