Não consigo deixar de contemplar
o mar sem me lembrar do Sr. Palomar de Ítalo Calvino. Tal como ele, insisto na
tentativa falhada de fixar o meu olhar numa só onda, seguir-lhe o percurso até
à meta da rebentação. Mas a esplêndida complexidade do mar não me permite, perco
o olhar na espuma que se mistura com outras ondas, onde as ligações de
hidrogénio se reforçam ou se quebram. Perco o rumo da visão e a orientação do
pensamento.
Por vezes penso-me uma imensa
massa de água, sacudida por ventos fortes. Na minha mente as ideias ganham
densidade, misturam-se, ligam-se de forma mais ou menos complexa e por vezes
chegam à costa sem que eu lhes sigam a rebentação. Tento organizar-me, tento
seguir um pensamento de cada vez, dar-lhe forma, concretizá-lo mas logo surge
uma outra onda que se atravessa. Assim, ziguezagueiam as minhas vontades até se
afundarem nas dúvidas. É por esta complexidade abstrata que me guio e é nela
que me perco.
Um dia vais questionar sobre o
que me faz viver nesta constante inquietação. Talvez me perguntes se o meu Amor
por ti não é suficiente para trazer calmaria a este mar revolto. Vou dizer-te
que o meu amor por ti é maior do que todos os oceanos, do que toda a matéria do
espaço. Que é precisamente este amor, impossível de quantificar, que soma
inquietude à ansiedade.
Tento viver todos os dias para
não te falhar, para te suprir as necessidades básicas, para te garantir um
futuro digno. Ao mesmo tempo que te seguro nos braços e te aconchego para
adormeceres num sono tranquilo, quero lutar para te oferecer um mundo melhor.
Tento ser concreta, objetiva, mas falho. Deixo-me levar pelo histerismo deste
mundo frenético, deixo-me deprimir pelas notícias macabras que nos chegam.
Travo uma luta interna constante
para me compreender. Travo lutas políticas a cada dia, em cada opinião ou
pensamento que emito, já antes travei lutas partidárias, fiz greves, organizei
manifestações… mas falhei! Falhei, filha, e o resultado é um mundo
profundamente desigual para te receber. Temo falhar-te mais ainda, temo não ser
capaz de te dar o que mais precisas. Temo afogar-me nesta massa de água revolta
e não ser capaz de te fazer feliz.
Aprendi com o teu avô que, pelos
filhos, é possível resistir às mais adversas dificuldades e que, por eles, não
há limites para o humanamente possível. Mas não sei se aqueles olhos verdes
acinzentados do teu avô alguma vez tentaram contemplar o mar em busca de alguma
serenidade de pensamento. Talvez ele nunca tenha precisado dessa busca mas a
mim falta-me a sua firmeza e a sua força inesgotável. E quando me dou conta o
meu pensamento é de novo uma tempestade onde as ondas rebentam violentamente juntas.