terça-feira, 27 de agosto de 2019

18 meses de uma nova vida



Quando soube que a minha filha se formava dentro de mim ganhei o hábito de lhe ler os meus livros em voz alta. Continuei a fazê-lo enquanto nos acompanhávamos uma à outra nos seus primeiros meses de vida extrauterina. Muitas vezes o seu pequeníssimo corpo adormecia no meu peito embalado pela ressonância das minhas cordas vocais. Já não consigo precisar quando mudei esse hábito ou simplesmente o abrandei. Fui começando a ler outras histórias, os seus livros, que comunicam mais pelas imagens do que pelo texto. Durante algum tempo o seu interesse não ia muito além de tentar virar páginas até fechar rapidamente o livro e me impedir de concluir a história. Agora já reconhece as personagens e indica-as com os seus pequenos dedos.


Ontem, enquanto ela brincava no seu labirinto de brinquedos e utensílios caseiros, comecei a ler em voz alta o meu livro. Uma forma que por vezes encontro de estarmos juntas mas guardando alguma autonomia no espaço dividido. Eis que ela se levanta, olha para o meu livro monocromático e por isso monótono. Reclama numa verbalização que não descodifico em palavras mas na qual encontro sentido. Vai buscar um dos seus livros e senta-se no meu colo. Finda a primeira história repete o gesto e lemos o segundo livro. Depois não querendo mais ouvir as histórias começa a abrir e fechar os livros, apontando para as ilustrações e fingindo interagir com as personagens.


Hoje completa 18 meses de vida fora do meu corpo. E para que este episódio de demonstração de vontade, interesse e procura de atenção ocorresse muita coisa mudou entretanto. Numa corrida alucinante a transformação e o desenvolvimento manifestam-se todos os dias. E se me orgulho ao vê-la crescer, se me emociono com as suas primeiras caminhadas, também sinto um vazio criado pela sua autonomia. Ela está a provar-me que é um ser independente, isso é maravilhoso e aterrador ao mesmo tempo.


Quando uma amiga veio conhecer a Laura, disse-me “parabéns a ti porque tu também nasceste, uma mãe é um novo ser vivo”. Não sei se sou uma nova pessoa, creio que não, mas sou certamente uma pessoa muito diferente do que era há 18 meses. E sinto que o meu processo de transformação é tão veloz quanto o desenvolvimento da minha filha.

Em primeiro lugar, as minhas ideias, as minhas convicções deixaram de ser monocromáticas. Ser mãe é um papel cheio de dúvidas, de incertezas. Por vezes parece que não vou ser capaz, que não sei como chegar a determinado objetivo ou realizar determinada tarefa mas é aí que me apercebo que este é o papel mais contraditório de todos. A insegurança vive aliada a uma força atroz, de fêmea protetora, que se transforma perante o menor indício de ameaça.  

Sou hoje mais humilde e ao mesmo tempo mais intolerante. Intolerante com as banalidades, com as falsas tentativas de mudar algo, com a falta de empatia e sobretudo com a falta de emoções. Se por um lado este papel me obriga a ser mais objetiva e racional, para garantir a sobrevivência da minha filha, por outro mostra-me que a vida só tem sentido por ser um puzzle de emoções onde o amor é a peça que se repete mais vezes.


O processo metamórfico que identifico em mim e o rápido desenvolvimento da minha filha é algo absolutamente fascinante. Somos seres vivos, em constante transformação. O mundo seria um lugar perfeito se respeitássemos isso. Tudo seria melhor se pudéssemos abrir e fechar livros coloridos sempre que nos apetecesse.

Teoria da Dor Relativa

  Pensei a dor como relativa S omada ou subtraída A aumentar ou diminuir Os valores inerciais iniciais. Ouvi falar de uma constante. Certa q...