2018/2019: o fascismo adensa-se
em todo o mundo. Fascistas declarados são eleitos democraticamente, o populismo
enche os discursos partidários da direita à esquerda, o nacionalismo vence
referendos populares e crimes de ódio racial são declarados em qualquer esquina
de uma “rede social”. O ódio por tudo o que é diferente do nosso reflexo no
espelho despe-se e sai à rua sem pudor.
A RTP2 exibiu recentemente uma série
documental que nos ajuda a perceber como o fascismo pode proliferar facilmente
entre os jovens – NSU, Alemanha Proibida.
Esta série, baseada em factos estupidamente reais, explica como foi possível
que o um grupo de jovens fascistas se organizasse e operasse por mais de uma
década fazendo, pelo menos, dez vítimas mortais. Após a queda do muro, a
Alemanha reunificou não só o território mas também o mentecapto fascismo.
Mentes de jovens sem futuro alimentadas por músicas de ódio e por dinheiro
proveniente dos serviços secretos. O julgamento da noiva neonazi mostrou-nos um sistema vitorioso apenas na
aparência. A economia europeia começou a ser escrita pela mesma banca que deixou
ao abandono os mais desfavorecidos dentro do próprio país. O estado alemão
demorou mais de uma década para travar uma célula neonazi que roubo oito vidas
turcas, uma vida grega e uma vida de uma polícia alemã. Como foi possível que
isto acontecesse num país onde os crimes hediondos da segunda guerra ainda
ressoam dentro do armário? Por uma razão muito simples: porque o racismo está
institucionalizado nas autoridades e nos serviços estatais. Por outro lado o
governo alemão não podia mostrar ao mundo as falhas de um país onde as fagulhas
do fascismo foram envergonhadamente escondidas em terreno combustível. As
famílias turcas foram massacradas pela investigação e desprezadas pelas
autoridades, ao mesmo tempo que os serviços secretos pagavam a muitos
informadores que usavam esse dinheiro para alimentar a rede. A investigação
tinha o nome de meia-lua (referência à bandeira turca) mas os crimes foram
sustentados pelas garras da águia.
Porém como as audiências não se
alimentam de séries documentais, outras redes televisivas optam por convidar
para os seus programas um criminoso neonazi como se de um grande politólogo se
tratasse. E facilmente se lança o rastilho para o debate em praça pública que
legitima os crimes de ódio racial. A história do povo português não foi
separada por um muro mas sim por um oceano. No entanto, não se fala no Portugal
pós-ultramar porque “nós” (desprezo qualquer comparação pessoal assente nas
fronteiras de um território) nunca fomos um país racista! Portugal olha para os
crimes macabros de uma guerra colonial envoltos num nevoeiro difuso, do qual
muitos querem ver surgir um novo Salazar. No meu entender, o facto de o
mea-culpa nunca ter sido seriamente discutido, leva-nos a que hoje grande parte
da população portuguesa naturalize o ódio racial. Naturalizamo-lo no léxico, na
criação de bairros que são autênticos guetos e na síndrome de Estocolmo que
herdámos do colonialismo. Desculpamos os crimes de ódio racial cometidos pelas
autoridades porque estas são, aos olhos de muitos, uma espécie de divindade. Esquecemos
que afinal são homens e mulheres cujas falhas educacionais e ideológicas são
usadas intencionalmente para alimentar esse ódio. O mesmo sistema que formata o
pensamento das autoridades policiais despreza-as não lhes conferindo nem
condições laborais mínimas, nem um salário justo. Terreno fértil para o ódio.
A vaga do neofascismo que
assombra o mundo toma proporções diferentes de acordo com os interesses económicos
globais. Portugal é demasiado pequeno e desinteressante para que haja um
investimento considerável nos Venturas que vão surgindo. Ainda é cedo para que
os interesses globais queiram instalar um governo fascista por cá. Porém, é
sempre muito tarde para as vítimas que este percurso atropela.
Nem só do passado se alimenta o
pensamento, por isso é importante refletir sobre o que está a potenciar esta
vaga antidemocrática. O discurso anti-partidário e a falsa ideia de que a
corrupção se combate com mais autoritarismo ganharam força muito velozmente.
Mas o populismo, tão perigoso para a democracia, foi criado pelo próprio regime
partidocrático e é ostensivamente usado, da esquerda à direita, com o simples
objetivo de somar votos. Porém, a conquista de votos não serve mais o objetivo
de governar segundo uma ideologia. A geração de políticos que agora emerge já
não traz na memória a ditadura. Em vez de ideólogos bem fundamentados privilegiamos
os bons estrategas partidários. Os ideólogos são uma espécie de românticos que
ficaram presos às revoluções burguesas ou à realidade do pós-guerra. Neste
entretanto, o mundo financeiro reinventa-se e a engenharia social usa os
avanços da neurociência para controlar os nossos pensamentos e emoções. Os românticos
continuam a reivindicar os meios de produção, a caridade cristã ou um estado
mais forte mas todas estas realidades foram há muito ultrapassadas. Os que
nunca foram românticos servem os partidos, servindo-se deles.
Voltando às séries da RTP2, está
agora em exibição uma obra que mostra os meandros do partido socialista francês
– Barão Negro. Para quem não conhece
o funcionamento de um partido político é uma boa forma de refletir sobre o
tema. É despendida muito mais energia nas lutas internas do que na defesa dos
programas políticos. São feitas alianças obscuras com partidos opositores para
ganhar a guerra interna. A luta por um lugar, pelo protagonismo, pelo poder
(mesmo que ilusório) é travada com muito mais afinco do que qualquer outra que
pretenda atingir o chamado bem comum.
As estruturas partidárias são obsoletas e antidemocráticas na sua constituição.
Os dirigente partidários, os candidatos a deputados ou os ministros são
escolhidos através de esquemas esquizofrénicos por parte de quem quer controlar
o partido. Apesar de nos discursos ouvirmos constantes apelos ao fim das desigualdades,
é no seio dos partidos que mais se aplica o darwinismo social.
Eu considero o discurso anti partidário muito
perigoso, não imagino um regime democrático sem organizações partidárias. Mas
são as próprias organizações partidárias que estão a anular a democracia. Os
agentes partidários parecem olhar para o companheiro do lado, como os nazis
olham para um estrangeiro. O medo instala-se nas mentes mais medíocres e
corrompe tudo à sua volta. Mas façamos uma reflexão muito simples: a nossa espécie
não está em extinção, por isso não existe a lei do mais apto! Somos todos
resultados de poeiras cósmicas, lixo cósmico. Se nos compararmos a uma rocha
não é pelo tempo de sobrevivência que nos destacamos mas sim pela capacidade de
pensar e, principalmente, pela capacidade de sentir. Enquanto formos capazes de
criar e pensar seremos livres. E é aqui que reside a esperança.