sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Girl power

Já sabes de cor os números das vítimas mortais dos últimos anos, a repetição na TV e nos jornais inflama a tua indignação. A repulsa dentro de ti diz-te que tens de fazer algo, decides que não és mais uma ativista de sofá e muito menos de facebook. Tomas conhecimento de mais uma manifestação contra a violência doméstica. Vais.
Antes da manifestação, irritas-te com a empregada da loja onde foste comprar uma t-shirt pró-feminista. Como são lentas estas empregadas das lojas, conversam durante o trabalho e a fila não avança.
Vestes a t-shirt fabricada por outra mulher menor de idade. Estás confiante! Chegas à praça. Depressa percebes que aquele ajuntamento está controlado por uma organização que quer subir nas próximas eleições. Tu até és apartidária mas não te importas, tiras uma fotografia com o cartaz que te passaram para as mãos e com a tua nova camisola. Publicas a fotografia nas redes sociais. São imediatos "os gostos" e os elogios. És uma mulher de coragem! Estás ali a lutar pelas outras, as que já morreram.
Umas horas antes recebeste um telefonema de uma amiga desesperada. Não aguenta mais os maus tratos psicológicos do companheiro, diz ela. Dizes-lhe para ter calma, ele anda nervoso pelo excesso de trabalho. Isso há-de passar-lhe, pensa nos miúdos.- dizes-lhe. Ela concorda, remata a dizer "ele tem razão, eu é que não sirvo para nada, sou uma inútil de uma desempregada."
Alguém te pergunta o que significa a mensagem na tua camisola. Começas a falar do feminismo como o entendes. Há mulheres e homens nas mesmas funções com salários diferentes. Falam-te da Ana que desempenha as mesmas funções que tu e leva para casa menos 200€. Mas tu não tens culpa de ela não ser licenciada. Se tivesse ido para a universidade estariam a ganhar as duas o mesmo. Continuas o teu discurso dizendo que em Portugal a percentagem de mulheres em cargos de chefia e direção é muito inferior à média europeia. Este é o feminismo que te explicam, é uma espécie de luta de sexos. Como se ser mulher devesse contar como factor na meritocracia inventada. Esqueces porém que mais mulheres na chefia não reduz desigualdades nem equilibra a distribuição de riqueza. 
Aplaudes as mulheres na política. Se o país fosse governado por mulheres... bem aí já não sabes muito bem o que pensar... afinal de contas quando há muitas mulheres juntas elas não se entendem, toda a gente sabe disso.
Fazes um minuto de silêncio pelas vítimas.
Quando chegas a casa tens um ramo de flores e um perfume à tua espera. Perdoaste as mentiras do teu namorado. Sabes que ele só se envolveu com a outra porque a gaja é uma cabra, não o largava. Ele mentiu-te para te proteger. Lembras-te do teu namorado do liceu, houve aquela vez que por ciúmes te deu umas bofetadas. O amor às vezes tem destas coisas, não é verdade? Mas o que importa é que és amada e não estás sozinha como a vizinha do segundo esquerdo.
Preparas o jantar para o teu namorado. Veem juntos o telejornal. A pivô fala dos números das várias manifestações no país. De repente lembras-te de onde a conheces, do escândalo do baile de finalistas. Foi a fulana que apanhou uma bebedeira tão grande que teve relações com vários rapazes nessa noite, na casa de banho da discoteca. Ela desculpou-se, disse que estava inconsciente, mas tu viste bem a maneira como ela dançava na pista com os cinco rapazes de volta dela. Estava mesmo a provocá-los.
"Parece que no próximo mês vão organizar uma marcha solidária", diz o teu namorado. "Sim, eu sei. Devias vir comigo amor, não podemos ficar quietos com esta onda de violência contra as mulheres a crescer por todo o lado!", dizes. 

Teoria da Dor Relativa

  Pensei a dor como relativa S omada ou subtraída A aumentar ou diminuir Os valores inerciais iniciais. Ouvi falar de uma constante. Certa q...