quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Desarmem o preconceito

Esta é a minha primeira publicação no meu blogue "Utopia é a Meta". Tenho necessidade de organizar as minhas ideias e emoções, escrever sempre foi a melhor forma que encontrei de o fazer. Desta vez não o faço em nenhum dos cadernos que tenho espalhados pela casa cheios de anotações e pensamentos porque tenho necessidade que me "ouçam" sem ter de, uma vez mais, verbalizar o que sinto. A verbalização dos meus sentimentos e emoções é-me muito difícil quando se trata de dor ou sofrimento. Esta publicação surge também pela resposta social que considero urgente para situações como a que estou a enfrentar.
A depressão, considerada a doença do século, é no meu entender um problema social e político ao qual os agentes políticos não dão a importância devida. Vivemos numa epóca frenética, onde o medo, a incerteza, o preconceito, os esteriótipos, as convenções e generalizações nos moldam a existência. As regras laborais ditam o medo do presente e o pavor do futuro. As convenções obrigam-nos a anular algumas das características mais íntimas ou a vivermos um conflito interior constante. No meio de tudo isto os nossos processos bioquímicos sofrem desiquilíbrios, as sinapses não se processam de maneira equilibrada até que chega ao momento em que a síntese dos neurotransmissores essenciais ao nosso bem estar não é suficiente. 
A depressão é uma doença bioquímica, fácil de entender mas difícil de aceitar. Existe um preconceito (mesmo que não seja reconhecido) generalizado. Os doentes são considerados mais fracos do que as outras pessoas, porque não conseguem lidar com as emoções. Por outro lado, é vista por muitos como uma doença menor, daqueles que querem "chamar a atenção". Nenhuma das visões é correta, a depressão é uma doença real, um problema social concreto que não encontra resposta nem à direita nem à esquerda na esfera política. A direita fomenta um sistema injusto, desigual e onde as diferenças não cabem; o foco de ação da esquerda (ideologia política que defendo) descura muitas vezes as fragilidades e necessidades individuais, não reconhecendo que o colectivo é um conjunto de indivíduos diferentes na sua essência. A tentativa de transformar o sistema atropela muitas vezes as vontades e percepções individuais.
Há cerca de nove meses fui pela primeira vez a uma consulta psiquiátrica, onde me foi diagnosticada depressão. Os sintomas já os sentia há muito tempo mas tive sempre alguma relutância em enfrentar a realidade, até que o meu companheiro marcou a consulta. Pensei que fosse apenas um episódio depressivo, como vários que já havia ultrapassado. Mas a total apatia,o choro convulso, a angustia constante marcavam a realidade dos meus dias. Aceitar que tinha este problema foi muito difícil, porque o preconceito à doença surge numa primeira instância no próprio doente. Questionei-me porquê comigo, passei pela fase de negação. Pensei que seria mais um episódio depressivo e que iria passar. A fase seguinte foi de um confronto interior que ainda não consegui ultrapassar, senti-me fraca, inferior a todos os outros, incapaz. A incapacidade afetou-me também a parte física, perturbações gástricas, dores musculares e cefaleias. Não tinha capacidade de fazer qualquer tarefa. Culpava-me por tudo e queria a toda a força encontrar uma justificação para o que estava a passar. Mas não a encontrei. Podem ser muitos aspectos, uma questão genética, as minhas desilusões sucessivas com pessoas e idealizações. Não encontrei um motivo único e percebi que tinha de enfrentar o problema. Iniciei atividades desportivas, bebi força dos amigos maravilhosos que sempre estiveram para mim, do meu companheiro e família. Essa seiva de carinho, solidariedade e compreensão fortaleceu-me e consegui viver com a mesma ânsia de tudo saborear, tive momentos dolorosos mas outros simplesmente deliciosos. No entanto, continuava em busca de respostas e, apesar de todo o apoio que encontrei, continuei insistentemente em busca de outras mãos que não estavam estendidas para mim. Neste processo percebi a força da verdadeira amizade. Mesmo que os amigos não nos entendam na totalidade não nos fogem, seguram-nos a mão para não cairmos. Mas estava determinada em incluir no meu mundo pessoas que idealizei e simplesmente não tinham a mão estendida para mim. Foi então que caí no mais fundo do poço, foquei-me na idealização e não observava o real. A doença tem esta capacidade de nos escurecer completamente o pensamento, de criar uma teia com pensamentos obsessivos que deturpam a realidade. Esta queda foi extremamente dolorosa, a culpabilização de todos os meus atos, de todas as minhas opções, enchia-me a visão de mim mesma. Senti-me a mais na vida dos que amo, senti-me inútil, profundamente incapaz. O desprezo por mim e por tudo o que antes me interessava, a angústia constante e a dor fria que penetrava o meu peito alimentaram os meus pensamentos de desaparecer. Considerei que aqueles que são o meu mundo me fazem muita falta mas eu não faria qualquer falta para eles. Alimentei as minhas certezas da rejeição que estava a sentir do lado idealizado por mim. Criei uma realidade deturpada. Considerei que aqueles que amo seriam mais felizes sem a minha angústia, sem o espectro no qual me tinha transformado. 
Comecei a pensar que toda a minha vida era um conjunto de frustrações, que a minha constante inquietação me tinha transformado numa pessoa falhada e sem lugar num mundo real. Semprei idealizei muito, continuo a querer seguir as minhas utopias. Não tenho medo das frustrações mas não suporto as rejeições e desilusões daqueles a quem dou tanto de mim. Semprei adorei o poema de Ricardo Reis: "Para ser grande, sê inteiro: nada/Teu exagera ou exclui./ Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/ No mínimo que fazes./ Assim em cada lago a lua toda/Brilha, porque alta vive". Assim vivo, pondo tudo de mim em tudo o que faço, dando o máximo de mim às pessoas de quem gosto, vivo sempre no pico das emoções. Nunca tive medo do sofrimento porque sem ele não conseguiria reconhecer os momentos verdadeiramente felizes. Viver as emoções ao máximo desgasta-nos mas nunca me preocupei com esse desgaste porque sabia que no dia seguinte estaria recuperada. Agora o processo é diferente, talvez pelo acumular de desilusões, talvez por ter idealizado demasiado, talvez por fazer demasiadas perguntas. Senti-me no limite das minhas forças e capacidades, assusta-me a ideia que me absorveu de desistir. 
Racionalmente sei que não quero desistir, tenho um companheiro absolutamente admirável, os sobrinhos que me alegram nos instantes mais improváveis, uma família presente, amizades profundas, verdadeiras, sólidas. Sei que tenho tudo isto, exatamente por nada excluir em mim, por não ter medo de viver as emoções, por ter uma mente inquieta e me questionar sobre tudo o que me rodeia. A minha essência trouxe-me o melhor que tenho no meu mundo mas também contribuiu para a minha doença. Cabe-me agora a difícil tarefa de me aceitar, de perceber onde devo ser mais racional e menos emotiva. Acalmar parte da minha inquietação e aceitar que há perguntas que simplesmente nunca terão resposta.

4 comentários:

  1. Obrigada pela coragem em partilhar algo tão íntimo! Eu sei bem o que é!
    Costumo dizer que felizmente que há pessoas que não entendem. Porque essas que não compreendem, é porque nunca passaram por algo semelhante!
    Força e acredita que nada é por acaso e principalmente, nada é eterno! É uma fase e vai passar. Tira o melhor partido do que pior te está a acontecer.

    Bjocas e tudo de bom!

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  2. Odete:
    Nunca comento em lado algum. Sou aquilo que dizem ser uma "leitora silenciosa", no entanto, jamais tinha encontrado por escrito aquilo que sinto e encontrei nas suas palavras.Tudo o que redigiu no seu blog até então, e no até então inclua-se até ao post do ser de esquerda me exprime.
    Obrigada!
    Continue a escrever por favor virei sempre lê-la.
    Beijinhos
    Samantha

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  3. Obrigada, Samantha! As suas palavras sabem bem.
    Abraço, Odete.

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