sexta-feira, 4 de março de 2016

A plenitude no olhar



Seguíamos pela estrada estreita que rasgava a montanha entre arcos singulares. Percorremos o mesmo caminho duas vezes procurando um dos muitos miradouros que nos enchiam a retina. Na verdade, não procurávamos apenas mais um, procurávamos o ponto mais alto da ilha.

As indicações eram escassas, subimos e descemos o percurso de carro. Parámos junto a uma subida íngreme que nos propusemos a desafiar. Seguimos pelo estreito e raro espaço que não estava ocupado pela vegetação ou pequenas flores coloridas. Seguimos com o impulso da vontade que nos mantinha hirtas as pernas exaustas.

Paravas, como é hábito teu, para atentar em pormenores que sempre me escapam. Ias colecionando pequenas pedras vulcânicas, as que mais atraíam o teu olhar. Seguias destemido subindo o caminho que depois descemos com o auxílio de uma lanterna. Eu, como sempre, hesitava entre seguir os teus passos ou abrir caminho para tu protegeres os meus.

Rias a cada “Ai” que eu deixava escorregar quando a areia agreste fugia dos meus pés. Sempre te riste e me fizeste rir da minha maneira desajeitada de subir ou descer, das minhas paragens súbitas ou dos meus avanços em aceleração brusca.

Os últimos 300 metros foram os mais difíceis, não havia mais espaço arenoso por entre os vários registos rochosos de atividade vulcânica. Inclinei-me numa tentativa de equilibrar o centro de massa do corpo com o ângulo formado pela força gravítica. De novo, o teu riso contagiante e eu disse-te: - não me desconcentres.

Chegámos ao cume. Senti a atividade sísmica, não a que outrora originou aquele espaço, aquela que palpitava dentro de mim propagando ondas desde o coração até às extremidades do meu corpo.

Ergui-me. Respirámos fundo ao mesmo tempo. Abraçamo-nos e ouvimos o eco do nosso riso. Milésimos de segundo depois, a minha vista alcançou a finitude do verde que dava lugar ao azul brilhante, o mais brilhante que alguma vez vira. De repente, todos os meus sentidos se misturaram, se confundiram, tal como se misturavam as cores de águas e campos verdes com a as cores floridas que decoravam a ilha. Os meus sentidos confundiram-se tal como se confundiu céu e mar no horizonte. Naquele instante senti-me plena.

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